terça-feira, 19 de dezembro de 2006

50%




João Pessoa não é uma cidade muito grande e por mais que se evite lugares, pessoas e datas, um dia eles vão acabar se encontra, não importa o que façam. Mas eles decidiram que esse dia poderia esperar.
Dias afins ela ensaio palavra por palavra, um tom mais calmo, descontraído, o qual ele percebesse que ele era passando em sua vida. Tinha imaginado essa cena milhares de vezes. Nos primeiros meses cortara o cabelo, comprara roupas novas, brincos, sapatos e até começara a malhar, ele não poderia imaginar o quanto estava sofrendo, tinha que ser ela mesma.
Ele por sua vez se prendera a outra namorada, uma estudante de medicina, loira, simpática, boa família e um belo par de seios. Ela ficaria surpresa com tal produto, mas nunca se cruzaram.
Passaram se meses, a estudante de medicina se fora (problemas com compromisso), veio uma estudante de filosofia (problemas com a sexualidade) e uma adorável estudante de letras (problema com sua adorabilidade). Ela se prendera a um lado mais espiritual e conhecerá um advogado, mas o deixou para decar-se a um mestrado, depois conheceu seu professor e acreditou que poderiam ter um compromisso, mas isso não aconteceu. Ele já estava com a professora de jardim quando ela começou a namorar o arquiteto magro e quando ela noivará com o contador, ele terminou com a dançarina. E ela comprava pratos, máquina de lavar, fogão e geladeira, no dia que um feijão fez ela lembrar do umbigo dele, foi um almoço longo com aquele feijão no canto do prato a encarando e lhe trazendo recordações. Seu noivo não tinha o umbigo parecido com legume algum, na verdade nunca notará o umbigo do noivo e no meio da sobremesa, com o feijão perto do copo, perguntou se o Alfredo tinha umbigo, a mãe do moço ficou espanta, e a avó aristocráta por pouco não caiu dura. Não houve resposta mas ela compreendeu que era provável que o Alfredo não tivera umbigo. Nessa época ele decidira galinhar ou noivar e casar, não se lembra, mas ela terminou o noivado por causa da ausência de umbigo, cai entre nós, assunto sério: "Como se casaria com alguém que não possui umbigo? O que seus filhos irão pensar? Na praia como irá agir..." e pela primeira vez em anos assumirá que sentia falta dele.
Estava na praia pensando na vida quando ele passou, fingiu não vêla. Na verdade, decidirá seguir a diante, não estava se sentindo bem para encarar seu grande amor. Ela se virou e sorriu: "Marcos!", ela se lembrava seu nome, "Tânia!" e ele se lembrava o dela. Sorriram falsamente e permaneceram calados, até que Tânia quebrou o gelo: "Aceita uma água, cerveja ou limonada?", ele entendeu que ela queria mesmo era saber de sua vida e ele que no momento estava solteiro. Ela estava linda, talvez fosse o penteado, aquela roupa ou o sapato novo, ela estava linda. Comentou, ela sorriu. Era o sorriso! Aquele sorriso que ela tinha que iluminava a noite, que o fazia acreditar em anjos, Deus, duendes e o que mais fosse. Ela estava viva e bem. Ela comentou que ele estava bem, que tirar o topete fora uma boa escolha e que a ausência daquela fantasia horrorosa da última vez lhe fizera bem, ele ficou feliz em saber que estava bem.
Sentaram-se no bar da Castanhola, lugar conhecido pelos dois. Ela de frente para a rua e ele de frente para o mar, pediram uma cerveja e começaram a conversar.
Primeiro evitaram falar sobre suas vidas, falaram sobre os amigos (casamentos, separações e traições), finalmente ela soltou: "E nós onde estariamos agora?", ele disfarçou franzio a sombrancelha, examinou o cardápio e respondeu: "Estariamos casados, mas você teria me abandonado e eu estaria casado agora com sua melhor amiga. Mas como você e eu não ficamos juntos não deu tempo de você descobrir que seu lugar era conhecer as Américas de jipe e eu não pude ficar intimo de sua melhor amiga", ela mordeu o lábio inferior e soltou: "Eu ainda não aprendi a dirigir?", ele sorriu e disse: "É questão de prática, depois de um tempo as coisas vão ficando automáticas...", ela o olhou e baixou a cabeça: "Comigo as coisas nunca foram automáticas, eu sempre fiz tudo de coração...Acho que sou muito humana para esse mundo"
"Você não existe!",
lembrou-se do tempo que ela dizia que tinha sido feita para completá-lo, desde que a perdeu nunca mais foi completo, faltava algo, depois daquele fatídico dia ele se tornará 49%, ela ainda segurava o caroço de feijão que parecia com o umbigo: "E essa roupa,de onde você vem?".
"Almoço de noivado!"
"Você noivou?"
"Faz alguns meses, mas os pais dele são de fora e só essa semana pude conhecê-los... Não me sai muito bem!"

"Você falou do cabelo da mãe dele? Esqueceu de cumprimentar algum parente? Se escondeu no banheiro até o final?"
"Nada de especial, apenas não é a hora..."
"Comigo seria?"
"Com você não foi!"
"E se fosse?"
"Se fosse seria..."
"Mas não é, né?"
"Não, não foi, nem é e nem seria...",
ficaram em silêncio. Ele pediu outra cerveja e um tira-gosto, precisava tirar o amargo gosto do "e se". E se tivesse tentado mais? E se ela tivesse sido outra? E se se conhecessem agora?
"As coisas nem sempre são como queremos...", ela falou. "Não dá para apagar o passado, embora eu esteja aqui na sua frente de cabelo diferente, roupas diferentes ainda sou a mesma, Marcos, e o tempo passou mas os obstáculos são os mesmos. E já somos velhos para tentar..."
"Eu sei, não cogitei a hipótese de voltar ao passado, parte de mim ainda prefere que ele fique enterrado."
Ela apertou o feijão, sentindo seus pedaços caírem no chão, limpou as mãos na roupa e disse: "Como foi a vida sem mim?"
"No início doeu, vontade de ligar, de saber se você tinha tomado o remédio, como passará a noite... Mas aos poucos fui me acostumando, apareceram outras pessoas e você virou uma saudade boa... E a vida sem mim?"
"Eu achei que íamos nos encontrar e que você me diria que foi um tudo um engano. Mas ai o tempo passou, o telefone não tocou, você partiu para outra, porque tão rápido?",
sua voz era de mágoa.
"Achei que era certo!"
"Foi?"
"Foi!"
"Me fez te deixar, se não fosse isso você nunca teria me perdido..."
"Então foi certo, viu?"
"Talvez...",
seus olhos de mar serenaram e ela parecia que ia chorar, aquele sentimento louco voltará a incomodar: "Eu ficava pensando em séries, em novales, filmes. E imaginando você de um lado da cidade sofrendo tudo que eu estava sofrendo, as mesmas músicas, os mesmos pensamentos, no lado direito da cama, enquanto eu no lado direito lendo o mesmo livro, sofrendo as mesmas coisas, ouvindo as mesmas músicas e os mesmos pensamentos. Mas ai, Joan me contou que você estava com outra e eu vi que a vida não é um filme, novela a série. A vida imita a arte só nas desventuras..."
"Romeu e Julieta não ficaram juntos, eles morreram!"
"Duras palavras..."
"Foi duro te esquecer...",
ela o olhou esperando que ele dissesse que não havia esquecido e que ele era 50% sem ela, as vezes 49%. Que sempre procurava seu nome GOOGLE para saber de sua vida, como ela fazia. Mas ele não disse nada.
Ela era uma ridícula, mesmo.
Passaram dez minutos num silêncio pertubardor, o garçom se aproximou e perguntou se queriam outra cerveja, ele pediu a conta. Racharam e ela seguiu para casa, enquanto ele voltou a caminhar.
Meses depois casará com Alfredo e descobrirá que ele tinha umbigo.
E ele, casou-se com uma simpática advogada.
Ela recortou a foto do noivado dele no jornal.
Ele soube que ela teve um filho e colou o nome de João.
Ela ficou sabendo de suas férias em Aspen e do nascimento do seu primeiro filho.
Ele prometeu que a visitaria quando se encontram no HIPER.
Eles se encontraram no jantar na casa de Joan, ela já estava separada e namorando um empresário sem-nome. E ele já vivia um casamento de fachada e tinha uma amante.
Questinados sobre o que faltava, ambos responderam: "Cinqüênta porcento"

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