domingo, 3 de junho de 2007



O Bon Jovi tocava na vitrola, o disco meio arranhado engalhava em certas partes, mas eu queria ouvir o Bon Jovi, queria relembrar aquele filme, aquela cena e o momento. Pensei em "de volta para o futuro" eu bem que poderia pegar uma máquina do tempo e voltá-lo só para de longe rever a cena, o filme e o momento.
Agarrei-me com o travesseiro e sussurrei: "Fui eu!"
Era eu!
Eu era a mocinha...
Era comigo que ele queria dançar, era na minha corrente sangüínea que o alcool bailava, era eu!
Fui eu!
Vestido rosa, sapato e bolsa combinando, cabelos presos numa fivela demodê e o maquiagem angelical, as meninas sentadas ao meu redor falavam das outras meninas, dos garotos e daquela noite. Era nossa última noite como colegiais ou seja o que fossemos. Uma banda desafinada cantava músicas agitadas, tentando evitar o clima de final de festa, algumas de nós já haviam dançado e até beijado, eu não. Do outro lado do salão o Ricardo olhava o movimento. Era alto, costeletas, cabelo brilhante e sorriso branco, falava sobre carros e futuro, todos os meninos queriam ser engenheiros ou médicos.
Era o futuro batendo em nossa porta...
Eu olhava o Ricardo discretamente, ele não teria coragem de cruzar o salão para me chamar, eu não poderia chamá-lo. Então decidi beber mais um pouco. As meninas trouxeram martine numa garrafa de refrigerante e bebiam discretamente, eu bebi mais um copo. Comecei a sentir uma dormencia nas pernas, senti cada parte do meu corpo, como se o sangue ficasse mais pesado. Levantei e fui até a varanda.
Fiquei olhando a lua, eu iria ficar na cidade por uns tempos, minha mãe estava doente e meu pai não queria que eu fosse para longe, não com ela doente.
Finalmente o Ricardo chegou:
"Você dança?", perguntou.
"Danço!"
E fomos ao meio do salão, cercados de olhares curiosos, de gente querendo saber da gente, do mundo vendo o início da nossa história:
"Você bebeu?", perguntei.
"Quem não bebeu?".
Sorri.
"Vai devagar!", ele falou.
"Desculpa!"
"Não consigo lhe acompanhar assim..."
O descompaço das pernas e da música era causado pelo alcool, aquele mesmo fiel aliado que me fizera levantar, aquele mesmo aliado que fizera o Ricardo chegar até a mim. Agora tudo me traia, o vestido rodado, o sapato combinando com a bolsa, o coração alcaboete que revelará todo meu nervosismo.
"Estamos bebendo uísque com guaraná!", ele falou.
"As meninas martine..."
"Bebida de menina..."
Meu pai sempre dizia que uísque com guaraná era bebida de fraco, pessoas que não sabiam o verdadeiro valor do uísque, esse deveria ser bebido quente, queimando a garganta rasgando tudo.
"Uísque é tão chique..."
"Esse foi roubado, roubamos do pai do Marcos... Somando nossa idade chegamos perto da dele"
"Uau!", senti sua mão escorregar pela minha cintura e minha cabeça encostar seu ombro, era o fim, estava perdida em seus braços entregue a sua vontade.
Faça de mim sua escrava...
"Você é leve!", falou.
Pensei em não responder, mas não ousaria tanto, levantei o rosto e vi seus olhos, seu sorriso largo e brilhante:
"Você que sabe guiar!"
Rimos!
Ao final da música voltamos a varanda. Meu coração dava noventa e cinco beije-mes por minuto, e minha mão tremia. Aquele era o momento que eu esperava toda a vida, Ricardo e eu na varanda.
"Você vai para onde daqui?"
"Vou trancar a faculdade..."
"Por que?"
"Minha mãe está doente, não posso deixá-la só nesse momento..."
"Estou indo para São Paulo estudar aviação..."
"Tão longe?"
"Mas volto sempre, minha mãe está aqui, esqueceu?"
"Você iria para onde?
"Estudar arqueologia na Bahia, aqui tenho que aceitar a história, somente... Queria tanto criar asas!"
"Quem não quer?"
Ele passou a mão sob meu rosto e senti que era agora, como vítima de um vampiro me desfiz em seus braços esperando pelo beijo:
"Você gosta desse clube?"
"Gosto!", falei um pouco decepcionada.
"Minha mãe debutou nele, quantos anos deve ter?"
"Quase 100!"
"Verdade! Acho que essa varanda tem muita história, já imaginou? Quantos amores se fizeram e desfizeram nessa varanda? Quantos amantes choraram, quantos flagras esse luar presenciou?"
"Essa varanda me parece ser muito amiga dos amantes. Cumplice!"
"Pois é...", ele baixou a cabeça.
Talvez ele se sentisse precionado com tanta história, tantos segredos, tantos momentos, tanta história, tantas fantasmas! E todos nos olhando, não bastasse todos da festa esperando que nosso beijo saísse, ainda haveria diversos fantasmas esperando que o Ricardo tomasse coragem:
"Vou buscar um refresco!", falou.
Eu me sentei no parapeito e fiquei olhando as estrelas, passei gloss nos lábios e ensaiei alguns bicos no espelho:
"Trouxe uísque..."
"Com guaraná?"
"Sim!"
É agora, pensei.
Ele bebeu dois goles enormes e me serviu um:
"Você está feliz?"
"Esse baile parece triste...", ele falou. "Todo mundo seguindo seu rumo, isso não me parece legal..."
"Verdade! Mas terminar tudo com uma festa é a maneira mais justa de dizer o quanto fomos felizes..."
"Queria ter gravado toda essa história, lembrar das pessoas numa fita para não esquecer nenhum deles... Já pensou? Ter gravado a cara do nosso diretor, dos colegas de sala, gravar as viagens, as bagunças, os momentos. Seria feliz se fizesse isso..."
"É feliz de todo jeito. Todo mundo quis ser seu amigo. E amanhã não será diferente, quando for um piloto, quando for astronauta...Nada disso será diferente!"
"Será! No futuro os amigos não serão tão fieis, as risadas não serão tão gostosas e as piadas não tão ingênuas. Quando veirei outra Inês com olhos tão simples e sorriso tão doce?", olhei para o chão, "Quando vou ter tanto medo de fazer algo como tenho agora? Não sei, Inês. Mas o futuro não será tão doce quanto o presente e tenho medo de perdê-lo adiantando esse momento."
"Deixa tudo no teu tempo...", sussurrei.
"Mas quando haverá outra oportunidade? Quando haverá outro luar, quando haverá outra varanda história, outro vestido rodade e eu de terno e gravata. Beijando-te agora, posso fingir que sou o principe que sonhaste e realizo teus sonhos..."
"Então beija..."
"E amanhã?"
"O amanhã não será tão doce, quando todos forem embora e eu ficar, o presente não terá tanta doçura quanto o passado. Ricardo, serei sincera, esperei por esse seu beijo desde o dia que entras-te naquela sala, quando me contas-te a estória do teu cachorro que havia morrido e o professor quase chorou. Espero por essa varanda, por esse vestido, essse momento há muito tempo. E não quero que você o perca pensando na sua viagem ou no futuro de ilusões e desventuras. Quero que me beije agora, pensando que hoje, que esse momento não se repitirá e a oportunidade perdida é tão destruidora quanto a pedra lançada. Beija-me, senão eu te beijo!"
Levantei e desliguei a vitrola, amanhã era um novo dia.

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